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Desafios que deverão ser enfrentados pelo próximo prefeito

As mudanças urbanísticas do Porto Maravilha simbolizam avanços marcantes do Rio nos últimos anos. Porém, uma parcela dos cariocas ainda convive com problemas que se agravam e expõem a carência de serviços essenciais. Nesta reportagem, O GLOBO apresenta a história de quatro moradores, que representam desafios que serão enfrentados pelo vencedor da disputa do próximo domingo.

ALERTA NOS ÚLTIMOS ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Os dados mais recentes do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), referentes a 2015, acendem um sinal de alerta nos anos finais do ensino fundamental na rede municipal do Rio. A trajetória de melhoria que ocorreu entre 2009 e 2011, quando a nota geral do 6° ao 9° ano passou de 3,6 para 4,4, transformou-se em estagnação e queda.

Em 2013, o índice se manteve nos 4,4, para, em 2015, cair para 4,3. A Secretaria de Educação ressalta que o desempenho dos alunos nas provas de Português e Matemática está melhorando. Mas a nota final não evolui, e a questão é a aprovação de alunos sem conhecimentos essenciais.

Outro desafio: relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM), referente a 2015, sobre as escolas desse segmento, aponta que 43% das unidades têm infraestrutura precária. Só 0,5% estava ideal. Sobre déficit de professores, o estudo detectou que 49,23% das unidades visitadas possuíam algum tempo sem aula por causa da falta de docentes.

A MÃE QUE VIU O FILHO CRESCER SEM SABER LER

O relato da dona de casa Monica Alexandra de Paula, de 41 anos, moradora de Vila Isabel, tem o impacto de um soco no estômago. Corria o tempo e o filho Luiz Carlos passava de ano na escola municipal em que estava matriculado sem saber o básico. Vendo as dificuldades que ele tinha em meio aos deveres de casa passados pela professora, um dia ela se indignou:

— Eu tinha uma sensação de impotência muito grande. Escrevi no caderno dele: “Não vai fazer o dever porque ele não sabe ler nem escrever”.

Luiz Carlos estava no 4º ano do ensino fundamental, mas, como conta a mãe, apenas conseguia copiar o que ela escrevia no caderno. Não tinha noção do que eram aquelas palavras. Diante de um quadro que parecia não se modificar, Monica resolveu mudar o filho de escola — também outra da rede municipal — , e então ele conseguiu deslanchar.

— Eu já estava achando que meu filho tinha algum tipo de problema, porque ele é muito tímido e tal. Mas, ainda bem, com a mudança, ele conseguiu aprender a ler e escrever e agora já está indo bem na escola — conta ela, que acrescenta: — Quando eu questionava a diretora do colégio anterior sobre como ele passava de ano sem saber o básico, ela dizia que a ordem que tinha que ser cumprida era essa.

Hoje, com 12 anos, no 6º ano do ensino fundamental, Luiz Carlos vai bem, pelos relatos da mãe. Mas os dados mais recentes do Instituto Nacional de estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que ele está num momento crítico. A passagem por essa série ainda retém quase um em cada cinco alunos que estudam na rede municipal do Rio. A taxa de reprovação foi de 19,3% no ano passado. E faz com que os estudantes fiquem cada vez mais distantes da idade ideal. Nos anos finais do fundamental (6º ao 9º), a taxa de distorção idade-série (proporção de alunos com mais de dois anos de atraso escolar) é de 34,4%. Ou seja, ainda atinge um terço dos estudantes.

Estudando no turno da manhã, Luiz Carlos passa as tardes em casa, sem atividade. A escola não tem turno integral. Atualmente, apenas 35% das unidades possuem o horário estendido. Levadas em contas as unidades de ensino infantil, como creches, esse número vai a 45,5%.

— Seria muito importante para o meu filho se tivesse alguma atividade extra, uma aula de teatro, por exemplo, para ele que é tímido seria ótimo. Hoje, as crianças saem e ficam na rua.

Apesar dos pesares, Monica sabe da importância da educação para os filhos. Morre de orgulho pelo mais velho de seus cinco, Jorge Luiz, que, com 25 anos, cursa faculdade de Química.

— Ele sempre foi muito estudioso, ficava entre os melhores da escola desde cedo. É uma pessoa que acorda de madrugada para trabalhar, fica até tarde fazendo os relatórios para a faculdade — diz ela, que ainda guarda um book com as fotos do jovem promissor com pinta de modelo.

INTEGRAÇÃO COM A REDE ESTADUAL É DESAFIO

A falta de integração entre as redes do município, do estado e do governo federal é apontada por especialistas como o principal desafio a ser vencido na cidade. Um dos indicadores que mostram isso é a dificuldade para acesso a leitos de tratamento intensivo. Com base em pedidos de liminar feitos diariamente, a Defensoria Pública estima que 150 a 200 pacientes da rede municipal precisam procurar a Justiça para conseguir internação todo mês. Há ainda a crítica demora para o acesso a especialistas e a exames laboratoriais e de imagem.

Para a presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes do Rio, Melanie Dacki, o SisReg (sistema de regulação de vagas) precisa melhorar. E pede a implementação de novos centros especializados:

— Muitos não conseguem acesso. Há uma demanda muito maior do que a quantidade de centros.

A Secretaria de Saúde disse que ampliou o número de leitos de UTI; e que segue portaria do Ministério da Saúde, prevendo que os municípios fixem o tamanho da rede segundo a demanda.

O IMPROVISO PARA SE MANTER SAUDÁVEL

Para o autônomo Bruno Ramalho da Silva, de 24 anos, morador de Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio, é difícil entender como um sistema de Saúde municipal que, só no ano passado, consumiu R$ 4,418 bilhões, não consegue oferecer a ele o básico para o controle de sua doença. Há quase dois anos, cumpre uma rotina mensal de ir a um posto da prefeitura no bairro para pegar os insumos de que precisa para o tratamento da diabetes: insulina, seringas e testes. Nos últimos meses, apenas a insulina vem na quantidade ideal. Para o resto, ele tem que se virar como pode.

— Há um ano, eu recebia 60 seringas por mês, que é o quanto preciso para as duas injeções diárias. Agora, são só dez. O que me disseram é que não tem para todo mundo e eu teria que reaproveitar as que me dão. E num período em que, segundo a receita do médico, eu deveria fazer seis testes de glicemia, só tenho dois — conta ele, que se questiona: — Se há dinheiro na Saúde, o que se espera é que você entre num posto, num hospital e que lá tenha o que tiver que haver para que você saia dali com tratamento. Se está faltando ou se não tem para todo mundo, eu queria saber muito por que isso acontece.

DIABETES: RIO É A CAPITAL COM MAIS DOENTES

Nos últimos anos, a cobertura de Saúde Básica aumentou. Em 2008, segundo a prefeitura, 3,5% dos cariocas eram cobertos pela Estratégia Saúde da Família. Agora, a rede de atenção primária na cidade atende a 55,6% da população. O que não garante, porém, que uma doença como a diabetes, que necessita de controle constante, deixe de ser uma ameaça. Entre as capitais, o Rio é o município com mais portadores: 8,8%. E o número de amputações de membros inferiores — uma das consequências mais graves da enfermidade — cresceu 89% entre 2009 e 2015.

— Se você chega numa unidade e não tem aquilo que precisa, é algo que te prejudica. Sei que quem quer dá um jeito, corre atrás. Mas, se você corre atrás e não consegue, isso pode acabar te fazendo deixar o tratamento de lado — comenta Bruno Ramalho.

Com a crise econômica, o autônomo, que vive de consertar computadores, não consegue mais pagar um plano de saúde. Faz então todo o acompanhamento na rede pública. Sua próxima consulta com um endocrinologista, por exemplo, será só no ano que vem, em janeiro. Se no dia ele ficar doente, como já aconteceu uma vez, sabe-se lá quando será atendido. Um drama que não é só dele: a espera por atendimento de especialistas é um dos principais problemas encontrados no Rio. Para um neurologista, por exemplo, cujo atendimento é realizado em unidades federais e universitárias, a demora é de 120 dias, em média. Para um cardiologista, são 39 dias de espera em unidades ambulatoriais.

Para Bruno, outra questão também são os exames mais complexos de acompanhamento da doença, aos quais tinha direito no plano de saúde, mas agora não tem mais no SUS. Ele acredita que a rede pública precisa se expandir, mas vê a qualidade do atendimento, que sente os efeitos também da crise da Saúde no estado, como o principal desafio a ser superado na cidade:

— Não adianta só ter o espaço. Você precisa buscar o atendimento, e a unidade, funcionar.

APESAR DE ALGUM ALÍVIO, SUPERLOTAÇÃO É ROTINA

Uma radiografia mais precisa do sistema de transporte público da capital é algo que vai ficar para os próximos quatro anos. A passagem de ônibus chegou aos R$ 3,80 sem que a prometida autoria externa nas contas das empresas de ônibus fosse concluída. A promessa é para o fim deste ano. No Tribunal de Contas do Município (TCM), já se fala em 2017.

No BRT, o maior problema é a superlotação. Suzy Balloussier, diretora de Relações Institucionais, admite que o Transoeste sempre foi um desafio, mas diz que já há sinais de alívio, com a inauguração da Transolímpica, que atende parte da Zona Oeste, próxima a Realengo.

— O deslocamento é pendular. Há um grande contingente de pessoas que mora em Santa Cruz, Campo Grande, e se desloca para os polos de emprego, Barra, Zona Sul e Centro.

Para Eva Vider, professora de Engenharia de Transportes da UFRJ, é possível que o sistema esteja quase saturado.

— Talvez o sistema escolhido para essa região devesse ter sido de maior capacidade de transporte, como metrô ou bonde de quatro vagões.

O APERTO NO DIA A DIA

Eram pouco mais de 17h de uma chuvosa terça-feira, dia 20 de setembro, quando se abriram as portas do BRT que sai do Terminal Alvorada, na Barra da Tijuca, com destino a Guaratiba, estação final Pingo D'Água. A fila, que parecia organizada, deu lugar a um grande empurra-empurra. Quem estava ali no meio foi arrastado para dentro do ônibus. No grupo de passageiros, o mecânico de manutenção Geison da Silva Mendonça, de 27 anos:

— É como se fosse uma manada de gnus ou algo do tipo. E é assim todos os dias.

O aperto diário de Geison é uma amostra de um dos grandes desafios para os próximos anos no Rio: mesmo com os avanços recentes, oferecer aos usuários um transporte público de qualidade e com conforto. Apesar de, friamente, os dados das empresas de ônibus não revelarem a saturação, basta passar algumas horas no rush no Transoeste, primeiro corredor expresso criado na cidade, em 2012, para ver que a vida não está fácil para muitos passageiros. Entre o ponto de partida e o destino do mecânico, a estação Magarça, são pouco mais de 40 minutos. Rápido, comparado com outros tempos, mas arrastado para quem está espremido e mal consegue colocar os pés no chão.

— Se fosse mais organizado, se você soubesse que num determinado intervalo vem um ônibus, não seria essa confusão de todo mundo se espremendo para ir logo para casa — comenta ele.

SEM SAÍDA, O JEITO É SORRIR

A viagem no BRT mostra o quanto a população usa o bom humor para lidar com o aperto. Perto de Geison, um grupo de cinco homens se aperta junto à porta. Lidam com a situação fazendo piadas:

— Outro dia, tinha um cara que passou a viagem toda quietinho aqui. Quando o ônibus fez a primeira parada, ele caiu morto no chão! Aconteceu mesmo, é verdade! — brincou um.

— Olha, nessa situação em que eu estou, o jeito é pensar que é dando que se recebe. O indivíduo aqui sabe que vai ganhar um suor na espinhela, não tem jeito — acrescentou um outro, pedreiro piauiense que vive no Rio há muitos anos, em meio a gargalhadas de quem estava em volta.

Geison não consegue rir muito. Todos os dias são quase quatro horas perdidas no transporte entre a Praia da Brisa, onde mora, em Pedra de Guaratiba, e a Taquara, onde trabalha. Sai pouco depois de 5h30m e só chega depois das 18h. Na volta, depois de sair do BRT, pega um ônibus comum, que passa em alta velocidade por uma pista estreita e esburacada, até chegar ao portão de casa para, enfim, conseguir o prêmio de todos os dias: o beijo da mulher.

No BRT, disse que já houve um dia em que achou que ia desmaiar: além de espremido, o ar-condicionado ainda não funcionava. Nos ônibus comuns, já está acostumado a viajar suando. Dados de agosto, da Coordenadoria Geral de Gestão da Operação da Secretaria de Transportes, mostram que, dos 7.847 veículos de linhas regulares do Rio, apenas 3.090 eram climatizados, ou seja, 39,4% do total.

— Eu só consigo descansar quando chego em casa. Qualidade de vida no transporte público da Zona Oeste, você não tem. Pagamos uma passagem cara, tenho certeza de que podíamos receber algo melhor do que isso — afirma Geison.

FÔLEGO CURTO PARA ACOMPANHAR EXPANSÃO DA CIDADE

Dados oficiais indicam que o Rio andou para trás no quesito acesso à rede de esgoto sanitário. De acordo com os números compilados pela Prefeitura, o percentual da população atendida pelo serviço chegou a 93,7% em 1999. Nos anos seguintes, essa proporção oscilou e, em 2014 — último levantamento disponível — ficou em 83,1%.

Édison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil, pondera que os dados antigos eram menos precisos. Mas o número mostra que a evolução da rede foi mais lenta que a expansão da cidade:

— É como se a expansão imobiliária fosse coelho e a do saneamento, tartaruga.

Parte do quadro pode ser explicado pela avanço em direção a regiões com baixa infraestrutura. Levantamento dos licenciamentos concedidos entre 2009 e 2015 mostra que 70% das unidades se concentram na Zona Oeste. Hoje, o índice de tratamento de esgoto está em 31%, segundo a Foz Água, empresa responsável pela rede de esgoto de parte da região desde 2012. Naquele ano, era de 5%.

ESGOTO, LIXO E RISCO DE ENCHENTE NO RIO ACARI

A técnica em enfermagem Lucineide Ferreira não compra mais sofá. E não é por falta de dinheiro. Desde que viu a mobília de casa sair flutuando nas inúmeras enchentes que atingiram seu bairro, o Parque Colúmbia, ela prefere não se endividar e ver o investimento ir por água abaixo. A região, vizinha de Acari, na Zona Norte, e muito próxima à margem do rio de mesmo nome, é conhecida pelas consecutivas inundações durante as chuvas de verão e sofre com a falta de conservação. Ao visitar o local, O GLOBO flagrou pilhas de entulho acumuladas na encosta, além do lixo e esgoto lançados diretamente na água.

As obras que a prefeitura fez na região — foram investidos R$ 35 milhões na dragagem e limpeza do rio — não foram suficientes para convencer Lucineide de que o risco de novas enchentes ficou para trás. A barreira de cerca de um metro em frente à porta da sala é uma das marcas da família que aprendeu a conviver com as enchentes.

— Em 2014, a água entrou pela janela, atingiu quase o teto. Perdi cama, guarda-roupa. Ficamos ilhados. Os moradores precisaram até de botes para salvar alguns vizinhos. Hoje, não tenho nada na minha casa na qualidade que eu gostaria, apesar de ter condições de mobiliar a casa com o meu marido, que é motorista. Vivo em função da enchente — diz a moradora, de 24 anos, mãe de uma menina de 4 meses.

ESGOTO E LIXO LANÇADOS NO RIO

O risco aos quais Lucineide e seus vizinhos estão expostos aumenta porque, junto com a água, vem o esgoto. O rio que margeia o bairro recebe diretamente os dejetos das casas do entorno. A realidade é mais frequente do que deveria no Rio. Segundo a Cedae, 84% da população carioca têm cobertura de esgoto — ou seja, 16% ainda estão fora do sistema. A meta é alcançar 90% dentro dos próximos quatro anos.

O mau estado de conservação do rio acaba gerando a proliferação de insetos e ratos — problemas que estão na lista de queixas dos moradores do local. Profissional da área de Saúde, Lucineide sabe o quão preocupante é a situação. E já viu de perto uma das consequências do acúmulo de entulho e lixo: sua mãe teve zika recentemente.

Em nota, a prefeitura informou que tem diversas ações na área do Rio Acari. Além da dragagem que já foi feita, uma obra de maior porte está sendo realizada aos poucos, à medida que as casas à margem do rio são desocupadas. Até agora, 38 imóveis em áreas de risco foram desapropriados. Oito famílias foram reassentadas, quatro estão em negociação com a prefeitura, e 12 apresentaram problemas na documentação, segundo o governo municipal.

As secretarias de Conservação e Obras informaram ainda que 200 toneladas de asfalto foram aplicados nas ruas do bairro, e R$ 5,3 milhões foram investidos em ações do programa Bairro Maravilha.

Mas, para Lucineide Ferreira, ainda falta ver essas cifras transformadas em melhor qualidade de vida:

— Nosso dia a dia aqui está muito ruim. A gente está vivendo de maneira precária.

 

 

Fonte: O Globo
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