No primeiro mês da intervenção, roubos de carros, cargas e a pedestres atingem os piores patamares

O socorro federal para a segurança pública do Rio não resultou em uma queda dos índices de criminalidade. Pelo menos é o que mostram os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) referentes a março, o primeiro mês a ser, por inteiro, de responsabilidade da intervenção. As estatísticas permitem que sejam avaliados os resultados práticos da iniciativa, decretada pelo presidente Michel Temer em 16 de fevereiro. Foi registrado, por exemplo, um aumento de 7,1% nos roubos de veículos, que saltaram de 5.002, no mesmo mês do ano passado, para 5.358, resultando no pior março da série histórica, iniciada em 1991. Em média, é como se um automóvel fosse levado por assaltantes a cada oito minutos no estado.

Outras estatísticas seguiram o mesmo caminho e também atingiram o patamar mais alto desde que os números da violência no estado passaram a ser computados. Houve recordes negativos em crimes como roubos de cargas, a pedestres, em ônibus e de celulares. O quadro é ruim, mesmo considerado que a comparação com o março do ano passado foi prejudicada por uma greve na Polícia Civil que causou a chamada “subnotificação”.

Para especialistas, os índices indicam que são necessários ajustes na intervenção federal. Eles ressaltam questões que não serão resolvidas a curto prazo pelos militares, como a carência de efetivo das polícias. É a opinião, por exemplo, do antropólogo Paulo Storani, e ex-comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da PM. Ele ressalta que a intervenção não adotou uma medida essencial para combater os crimes de rua: o policiamento ostensivo no ambiente urbano. Um problema que passa pelo déficit estimado em cerca de 15 mil homens na Polícia Militar — a corporação tem, atualmente, 44 mil em seus quadros.

— Naturalmente, esses crimes relacionados à vida urbana não param de crescer. E não adianta o Exército mobilizar suas estruturas, porque a experiência dos militares não é a mesma da PM, voltada para a atividade de rua — afirma Storani.

O balanço divulgado pelo ISP também aponta para uma queda nos principais índices de atividade policial. As apreensões de armas caíram de 769, em março de 2017, para 680, no mês passado (redução de 11,6%). O mesmo ocorreu com as prisões em flagrante ou por cumprimento de mandado, que diminuíram 7%, de 4.347 para 4.043. As apreensões de adolescentes infratores despencaram ainda mais: 24%. Foram 642 jovens detidos em março último, contra 845 no mesmo mês de 2017.

Já o número de apreensões de drogas apresentou ligeiro aumento (2,2%), saltando de 1.706 para 1.744. O total de veículos roubados recuperados pelas forças de segurança cresceu: foram 3.450 em março de 2018, 17,7% mais do que os 2.932 no terceiro mês do ano passado.

Os homicídios dolosos permaneceram estáveis, subindo de 498 para 503. Os autos de resistência, por outro lado, caíram 11,4% (foram 123, em março de 2017, contra 109 no balanço mais recente). A queda ocorreu mesmo com as 13 mortes em confrontos na Rocinha, favela em guerra desde setembro do ano passado. Em março de 2017, a comunidade não tinha registrado qualquer homicídio em intervenções policiais. Na avaliação de Storani, a redução nos autos de resistência é um fenômeno explicado, em parte, pela intervenção:

— Estar presente na rua é muito importante. Mas saber o momento de agir também é. E uma das maiores preocupações de quem hoje está dirigindo as forças de intervenção é que, numa ação dos militares, evitar que eles atinjam inocentes. Vão evitar ao máximo essa situação, até porque fortaleceria a opinião dos que são contrários à intervenção.

O gabinete da intervenção e a Secretaria de Segurança não quiseram comentar os números.

NA VISÃO DE ESPECIALISTAS

Para o coronel Robson Rodrigues, os índices tornam imperativa uma correção de rumo na intervenção. No entanto, para ele, apesar da expectativa gerada, faz pouco tempo que os militares assumiram a gestão da segurança do Rio. Assim como é curto o prazo que eles têm pela frente para a realização de mudanças mais estruturais.

— Algo não está funcionando. Acredito que, além dos problemas de infraestrutura das polícias, esteja influenciando a falta de habilidade (dos militares) em relação às questões de segurança pública, sobretudo prevenção e investigação policial. Eles afirmam usar a mancha criminal no planejamento, mas falta um nível de ajustes. O problema é que, quando tiverem o traquejo e os recursos necessários, o período da intervenção deverá estar se esgotando — diz.

Rodrigues defende que sejam direcionados esforços ao combate de crimes que amedrontam a população, como os roubos de rua e os assassinatos. E destaca que o crescimento dos roubos de veículos se deu nos mesmos locais em que tradicionalmente já aconteciam.

— Roubos de rua (como esses) geralmente são pouco investigados e prevenidos, em virtude da fragilização do policiamento — afirma o coronel, ressaltando que essa é uma questão a ser atacada para uma significativa melhora dos números da violência.

O especialista em segurança pública José Ricardo Bandeira acredita que os efetivos, tanto o da PM quanto o do Exército, não estão sendo deslocados para onde a polícia deveria estar, nas regiões com maiores índices de criminalidade. Ele lembra que, desde que a intervenção mudou os planos e pôs os militares no patrulhamento das ruas, eles se concentraram, sobretudo, em áreas como a Zona Sul e a Tijuca.

— Não adianta reforçar o patrulhamento na orla da Zona Sul e da Barra. Serve para dar visibilidade à operação, mas não resulta numa redução dos índices. A criminalidade, em geral, está em outras regiões — diz ele. — Esses números retratam ainda a expansão da mancha de criminalidade em função da diminuição da repressão policial. O crime está ocupando todos os cantos do Rio, inclusive áreas que eram consideradas seguras.

Ele lembra que a intervenção ainda não recebeu os recursos prometidos pela União. E, mesmo se o R$ 1,2 bilhão anunciado for utilizado, não será suficiente para pagar as dívidas do setor e fazer investimentos, principalmente em inteligência:

— Isso acontece num cenário de entrada da influência do PCC no Rio e de expansão da ação das milícias. Se não houver investigação, não resolverá.

 

Fonte: O Globo
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