Conselho Indígena toma posse sem interferência de intermediários

O diferencial não foram apenas os cocares e brincos confeccionados com penas de aves multicoloridas. Na posse do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas, na tarde de ontem, o segundo criado no país, depois do Paraná, os índios subverteram a ordem dos brancos e nomearam dois índios, em vez de um, para presidir o órgão que acaba de ser fundado e que representa um tremendo avanço na luta desses povos nativos do Brasil.

Democraticamente, os representantes de sete aldeias guarani de Paraty, Angra e Maricá, além de seis organizações de índios em contexto urbano, elegeram Carlos Tukano como representante dos índios urbanos, enquanto Nino Guarani, da aldeia Araponga, em Paraty, foi consagrado como o representante dos índios que vivem em aldeias. 

A sugestão para “quebrar as regras” veio de Eliane Potiguara, índia urbana, escritora e professora, que vive na cidade do Rio de Janeiro, durante as improvisadas eleições de ontem, previstas para durar dez minutos. Acabaram, porém, consumindo mais de meia hora, com direito ao canto sagrado de apoio feito pelo índio pataxó Arassari, de Porto Seguro, “de agradecimento, para trazer energias para um bom trabalho e proteger a espiritualidade de todos os presentes”, explicou, com um sorriso. 

Quem acompanhou o evento emocionado foi o indigenista Toni Lotar, que em janeiro de 2013 se juntou à briga da Aldeia Maracanã, símbolo da causa e da resistência indígena, devidamente representada no encontro. “Eles vieram aqui construir uma nova história”, profetizou. 

A solenidade foi realizada no Plenário José Ribeiro de Castro Filho, da Organização dos Advogados do Brasil (OAB), no Centro, a partir das 14h. Outro diferencial era o clima de alegria e descontração, de participantes que não se preocupavam muito com protocolos, embora se empenhassem em não destoar do austero ambiente. Quatro aldeias aproveitaram a ocasião para vender suas peças de artesanato — pequenos animais esculpidos em madeira, leques e cestos de palha e bijuterias —, discretamente depositadas num canto do plenário. 

Um exemplo maior deste esforço de se adequar às regras dos brancos, sem abrir mão de sua identidade, era o do próprio Carlos Tukano, vestido com uma calça marrom, camisa social beje e sapatos pretos. Seu toque pessoal estava no cocar de penas amarelas e alaranjadas. 

“A luta é a mesma para todos. Vamos prosperar a partir desse movimento histórico, uma grande conquista dos povos indígenas depois de 518 anos aqui no Rio de Janeiro. Vamos cobrar reivindicações, olho no olho, demarcação de terras, combate à discriminação. Não teremos mais intermediários, não precisaremos mais mandar recados”, disse de forma solene em seguida à posse, sob uma salva de aplausos. 

“Quero lutar pelos parentes para levar algo à comunidade”, completou Nino, ele também usando uma faixa com motivos indígenas na cabeça, que o diferenciava das vestimentas convencionais dos brancos. 

Durante as votações, outra mulher se destacou, a índia pataxó Maria Tânia, de Paraty, usando uma linda coroa de penas azuis e brancas: “Quem entrar (referindo- -se ao futuro presidente) tem de trabalhar por todos, tem de ir às aldeias, não ficar só na cidade. Quero ver trabalho, vou cobrar!”, avisou, quebrando o padrão de timidez que caracteriza seu povo. 

Composição do conselho 

O Conselho é formado por 24 membros, 12 deles, índios. Destes, seis são lideranças das aldeias Guarani e Pataxó de Paraty, Angra dos Reis e Maricá. Os outras seis são oriundos de organizações dos indígenas em contexto urbano, das quais fazem parte cerca de 30 mil pessoas dispersas em comunidades do Grande Rio, da Baixada Fluminense e do interior do estado. A outra metade das cadeiras é ocupada por 12 integrantes ligados à administração pública e de entidades ligadas à causa. 

O conselho é vinculado à Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Políticas para a Mulher e Idosos. Com sua criação, os índios poderão se organizar com CNPJ e estatuto para realizar eventos, encaminhar sugestões de políticas públicas e buscar recursos para promover sua cultura.  “É um avanço gigante para a criação de políticas públicas, centraliza todas as demandas para indígenas. Como há representantes da secretaria de estado, da OAB, vai se criar um fórum objetivo para encaminhamento de problemas e soluções”, comemora Toni Lotar. 

Para a bióloga Rosângela Maria Nunes, representante da Funai, a criação do conselho dará grande visibilidade à causa indígena, “sobretudo para os aldeados, que não recebem uma atenção direta”: Será uma contribuição para construir políticas públicas, voltadas às condições de moradia muito precárias e para a educação. Os vários componentes do Conselho vão abrir portas para alavancar as condições socioeconômicas dos indígenas em geral”. 

O presidente eleito para os índios urbanos, cacique Carlos Tukano, 58 anos, tem toda uma tradição de defesa da causa indígena. Começou sua atuação política no Museu do Índio, em Botafogo, na Zona Sul, quando chegou ao Rio, em 1997. Ele é da etnia Tukana, do Noroeste da Amazônia. e tem trabalhado na articulação dos movimentos pela preservação da cultura indígena no estado. Ultimamente, Tukano tem realizado palestras em escolas públicas e particulares da cidade, sobre “quem somos nós”.

 

Fonte: JB

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