Hospitais 
                        em estado grave
                      Antes 
                        referência no tratamento de doenças de alta 
                        complexidade, os hospitais universitários federais 
                        do Rio e de Niterói agonizam. Quem busca atendimento 
                        encontra enfermarias com portas trancadas, longas filas 
                        de espera para a realização de exames ou 
                        cirurgias e emergência que só atende a pacientes 
                        transferidos de outras unidades. Entidades do setor afirmam 
                        que 40% dos leitos foram fechados nos últimos meses, 
                        numa crise que passaria pela briga entre o governo federal 
                        e as instituições de ensino por causa da 
                        Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). 
                        Para os profissionais, que apontam a falta de pessoal 
                        como o principal obstáculo, o sucateamento é 
                        proposital para obrigar os hospitais a aderirem ao novo 
                        sistema de gestão. Já o Ministério 
                        da Educação (MEC) nega que qualquer pressão 
                        esteja sendo feita, embora reconheça que toda contratação, 
                        a partir de agora só, será realizada pela 
                        Ebserh.
                      Em 
                        2011, as unidades da UFRJ, UFF e Unirio receberam do MEC 
                        R$ 48,9 milhões e, em 2012, R$ 44,7 milhões. 
                        A queda no total foi puxada pela redução 
                        dos valores repassados às unidades da UFRJ — 
                        de R$ 33,5 milhões para R$ 22,2 milhões. 
                        Tudo indica que a situação este ano não 
                        será muito diferente. Somente no dia 19 de julho 
                        o MEC autorizou o primeiro repasse de R$ 100 milhões 
                        para os hospitais universitários federais do país. 
                        As unidades do Rio receberão quase R$ 10,5 milhões, 
                        sendo cerca de R$ 2,4 milhões para a UFF, R$ 1,7 
                        milhão para a Unirio e R$ 6,4 milhões para 
                        a UFRJ.
                      TCU 
                        constata falta de pessoal
                      Uma 
                        auditoria do Tribunal de Contas da União, concluída 
                        no mês passado, constatou que em 23 das 46 unidades 
                        brasileiras há “vulnerabilidades” na 
                        área de licitações e contratos devido 
                        à insuficiência de pessoal, ausência 
                        de treinamentos e inadequações na estrutura 
                        organizacional. Desperdício e até apropriação 
                        indevida são alguns dos problemas mencionados. 
                        O TCU observa que 57% dos hospitais não têm 
                        pessoal suficiente.
                      No 
                        Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, 
                        da UFRJ, os médicos denunciam que falta tudo: de 
                        elástico a colírio para cirurgias oftalmológicas. 
                        Segundo Francisco de Assis, coordenador-geral do Sindicato 
                        dos Trabalhadores em Educação da UFRJ (Sintufrj), 
                        há recursos disponíveis, mas falta pessoal 
                        qualificado para fazer a compra de material. Ao mesmo 
                        tempo, equipamentos sofisticados encontram-se encaixotados 
                        pelos corredores. De acordo com a UFRJ, é preciso 
                        fazer reparos na rede elétrica para que sejam instalados 
                        aparelhos como angiógrafo e tomógrafo.
                      — 
                        A única solução ofertada é 
                        a adesão à Ebserh. Se abrir mão da 
                        gestão do hospital, a universidade entra numa grande 
                        contradição. Reconhece sua incompetência 
                        em administrar a unidade, ao mesmo tempo em que oferece 
                        um curso de MBA disputadíssimo por profissionais 
                        de empresas privadas em gestão administrativa e 
                        hospitalar — diz Assis.
                      Nenhum 
                        hospital universitário federal do Rio aderiu, até 
                        o momento, à Ebserh, criada em 2011 para gerir 
                        as unidades de saúde brasileiras. As universidades 
                        temem a perda de autonomia conquistada na Constituição 
                        de 1988.
                      — 
                        O problema do hospital universitário é que 
                        ele tem missões importantes, como formar recursos 
                        humanos, fazer pesquisas e atendimento de alta complexidade. 
                        Eles são responsáveis por 90% dos transplantes 
                        realizados. Apesar disso, os governos os vêm tratando 
                        sem a devida atenção. Assim, a primeira 
                        causa da crise é o subfinanciamento — avalia 
                        o presidente do Sindicato dos Médicos, Jorge Darze.
                      Nos 
                        hospitais Clementino Fraga Filho e São Francisco 
                        de Assis, da UFRJ, Gaffrée e Guinle, da Unirio, 
                        e Antônio Pedro, da UFF, os problemas de manutenção 
                        são visíveis.
                      — 
                        Setores estão fechando por falta de gente. Os reitores 
                        são pressionados a aderir à Ebserh. Acho 
                        que a crise é intencional, para empurrar a empresa 
                        goela abaixo das universidades — diz Darze.
                      Segundo 
                        ele, além de representar uma mordaça, a 
                        Ebserh poderá inclusive decidir sobre programas 
                        e projetos, como fazer convênios com a indústria 
                        farmacêutica para pesquisas em áreas de interesse 
                        privado. É o que teme também o Sindicato 
                        dos Trabalhadores em Educação da UFF (Sintuff). 
                        Ao circular pelo Hospital Antônio Pedro, repórteres 
                        do GLOBO flagraram mangueiras de combate a incêndio 
                        quebradas, embora a direção assegure que 
                        os equipamentos estão com a revisão em dia. 
                        Havia ainda várias salas trancadas com cadeados 
                        e enfermarias fechadas. Uma sala de cirurgias dermatológicas 
                        tem infiltrações e não dispõe 
                        de vestiário para a troca de roupa de pacientes. 
                        Há apenas uma pia para os médicos lavarem 
                        as mãos e equipamentos cirúrgicos. Mas o 
                        principal problema, segundo a equipe médica, é 
                        a falta de profissionais. A enfermaria pediátrica, 
                        por exemplo, já teve 25 leitos, mas hoje funciona 
                        com apenas 16. A clínica médica feminina 
                        também perdeu seis leitos.
                      — 
                        Às vezes, contamos com três funcionários 
                        para cuidar dos 20 leitos em funcionamento — denuncia 
                        um enfermeiro.
                      Depois 
                        de quase ter sido atropelado, o entregador de uma padaria 
                        em Niterói, Josildo Carvalho Riscado, de 45 anos, 
                        procurou o Antônio Pedro por causa da perda de visão.
                      — 
                        Fui informado de que não havia médico da 
                        especialidade. Um cliente da padaria me atendeu em seu 
                        consultório de graça, mas pediu uma série 
                        de exames. Voltei ao hospital e, mais uma vez, não 
                        marcaram nada. Ainda tentei doar sangue na esperança 
                        de que depois me atendessem, mas fui diagnosticado com 
                        anemia — conta Josildo.
                      O 
                        Gaffrée e Guinle tem recusado pacientes. Um dos 
                        setores afetados é o de tratamento do HIV, referência 
                        na unidade. O serviço de ginecologia fechou, e 
                        o de pediatria ameaça parar. A falta de recursos 
                        provocou a demissão de 80 funcionários não 
                        concursados, entre médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, 
                        técnicos e assistentes administrativos.
                      — 
                        Na prática, houve diminuição do número 
                        de atendimentos. Tudo começou depois de 9 de maio, 
                        quando o Conselho Universitário, em vez de aderir 
                        à Ebserh, decidiu criar uma comissão para 
                        debater a questão — afirma o coordenador-geral 
                        da Associação de Trabalhadores em Educação 
                        da Unirio, Célio de Góis.
                      Presidente 
                        do Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj), Márcia 
                        Rosa de Araújo critica a falta de diálogo 
                        do governo federal:
                      — 
                        Sem dinheiro, sem funcionário e sem concurso, quem 
                        vai administrar bem um hospital?
                      O 
                        MEC nega que haja qualquer pressão para a adesão 
                        à Ebserh e afirma que os recursos repassados às 
                        universidades cresceram nos últimos anos. Também 
                        garante que as unidades que não optarem pela empresa 
                        continuarão a receber os repasses de verba normalmente 
                        e manterão sua autonomia. Ainda segundo o ministério, 
                        “somente em relação à recomposição 
                        do quadro de pessoal, a realização dos concursos 
                        públicos será feita pela Ebserh”.
                       
                      Fonte: 
                        http://extra.globo.com/noticias/rio/hospitais-em-estado-grave-9414008.html