Complexo
da Maré terá um militar para cada
55 moradores
Índice é sete vezes maior que
a média do estado, de 369 habitantes por
policial
O pedido de socorro do estado ao governo federal
para enfrentar os criminosos responsáveis
pelos ataques em série a bases de UPPs
acabou resolvendo outro entrave na segurança
pública: a pacificação da
Maré, que se arrastava há três
anos. O governador Sérgio Cabral confirmou
ontem que o Exército vai ocupar o conjunto
de favelas no caminho do Aeroporto Internacional
Tom Jobim (Galeão).
O
complexo de 130 mil habitantes terá, a
partir do dia 5, um militar para proteger cada
grupo de 55 moradores. O número corresponde
a 2.400 agentes, sendo dois mil do Exército
e 400 do Batalhão de Campanha da Polícia
Militar. No estado, a proporção
é de um PM para 369 habitantes.
A
decisão de ocupar a Maré foi tomada
após reunião com o chefe do Estado-
Maior das Forças Armadas, general José
Carlos de Nardi, e o ministro da Justiça
José Eduardo Cardozo. Segundo o secretário
de Segurança, José Mariano Beltrame,
a medida não tem relação
com os recentes ataques às UPPs.
Um
dos obstáculos para a pacificação,
segundo fontes da PM, era a falta de efetivo.
Para evitar novos ataques, as áreas de
UPPs foram reforçadas pela própria
PM, mas a solução definitiva não
foi anunciada.
“A
resposta é o avanço do processo
de pacificação. Não há
relação com os ataques. Isso já
estava programado. E se eles (traficantes) resistirem,
vamos continuar avançando. Não há
ligação com a Copa, pois a Copa
vai embora e a Maré continua”, disse
Beltrame. No segundo semestre, a Maré também
ganhará a sua UPP, como anunciou o ministro
Cardozo.
A
ocupação será realizada em
duas fases. A primeira, neste domingo, terá
agentes dos batalhões de Operações
Especiais (Bope) e de Choque, do 22º BPM
(Maré) e da Polícia Rodoviária
Federal. A ação contará com
blindados da Marinha, o que depende do Ministério
da Defesa. Inicialmente, haverá uma varredura
para preparar o terreno para o Exército.
Nesta fase, a PM vai fazer incursões e
revistas para prender criminosos e apreender armas
e drogas. Também serão cumpridos
os mandados de prisão expedidos para criminosos
da região. A PM realizará ainda
operações em outros pontos do estado,
para evitar a fuga de bandidos.
Pelo
planejamento decidido em reunião ontem
no Comando Militar do Leste, as tropas do Exército
devem entrar no complexo uma semana depois, em
5 ou 6 de abril. Os militares serão divididos
em quatro batalhões, mas a localização
das bases não foi definida. Eles virão
de batalhões de Infantaria e Paraquedista.
O comando da ação não definiu
se a tropa virá de fora do estado.
A
PM vai formar um Batalhão de Campanha para
auxiliar a tropa verde-oliva no reconhecimento
de área e com informações
da inteligência. O efetivo da PM será
remanejado de diversas unidades para atuar na
Maré. No entanto, como o Exército
atuará com a Garantia da Lei e da Ordem
(GLO), toda e qualquer ação de outras
forças terá que ser autorizada ou
acompanhada pela força militar.
GLO:
opção quando todos os recursos se
esgotam
Para
que as Forças Armadas ocupem a Maré
é necessário, primeiramente, que
a presidenta Dilma Rousseff autorize o ato numa
publicação no Diário Oficial
da União. De acordo com o Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República,
não se trata de um decreto, mas de uma
‘exposição de motivos’.
O
manual do emprego das Forças Armadas na
Garantia da Lei e da Ordem (GLO) foi elaborado
a partir de experiências adquiridas a Rio+20
e a ocupação do Complexo do Alemão.
O documento determina que o uso de tropas federais
ocorre em caráter excepcional, quando,
por exemplo, foram esgotadas as estruturas de
segurança pública estadual para
proteger a população e o patrimônio.
A
atuação da tropa tem que ser por
tempo e espaço definidos, o que será
estabelecido na publicação de Dilma.
Nada, no entanto, impede que, vencido o prazo,
a permanência seja estendida para nova data.
No ano passado, o manual foi alvo de polêmica,
o que resultou numa edição revisada
no mês passado. A mudança ocorreu
porque a primeira redação indicava
que movimentos sociais poderiam ser considerados
"forças oponentes".
Será
a primeira vez que vai ocorrer o emprego das Forças
Armadas após atualização
no texto. Desta vez, a redação descreve
Agentes de Perturbação da Ordem
Pública, os APOPs, como pessoas ou grupos
cuja “atuação momentaneamente
comprometa a preservação da ordem
pública ou ameace a incolumidade das pessoas
e do patrimônio.”
Moradores
têm medo de ficar no meio do fogo cruzado
Há
apenas um mês, um morador do Parque União,
no Complexo da Maré, ouviu um estouro por
volta das 5h da manhã. Mais tarde, a mulher
dele encontrou uma cápsula usada numa operação
policial de combate ao tráfico. É
exatamente esse tipo de situação
que temem os moradores da região, às
vésperas da chegada das tropas militares.
Diretor
do Observatório de Favelas, Jailson de
Souza e Silva tem uma preocupação,
compartilhada por boa parte dos moradores que
se acostumou a conviver com tiroteios entre policiais
e traficantes: o medo de ficar no meio do fogo
cruzado.
“A
gente não sabe o que pode acontecer quando
se usa força militar em território
urbano. Os soldados são preparados para
a guerra, para enfrentar o inimigo e matar. A
vida dos moradores precisa ser respeitada e não
pode ser moeda de troca para combater a criminalidade”,
comenta.
Jailson alerta para uma possível tentativa
de fazer com que os moradores fiquem subordinados
aos militares. “Esse controle de território
deve ser feito para garantir a segurança.
Não é para controlar os moradores”,
adverte.
A
comunicadora comunitária Renata Guilherme
teme que as Forças Armadas não saibam
lidar com os moradores. “Os militares foram
treinados para a guerra. Será que vão
saber lidar com a população?”,
questiona.
X.,
um jovem de 16 anos que mora na Vila dos Pinheiros,
teme que o Exército repita práticas
que ele relata ter presenciado em operações
policiais desde a infância.
“Quando começam a dar tiros, não
dá pra ficar em pé. Todo mundo tem
que se abaixar. A polícia, quando entra
aqui, é para oprimir. Às vezes,
não é nem um tiro. É um tapa
na cara, um pé na porta, um xingamento...
O medo é que isso volte a acontecer agora,
com os militares na comunidade”, afirma
X.
Entretanto, ele vê um lado positivo com
a entrada do Exército: a possibilidade
de circular por todas as favelas da região.
“Aqui, tem traficantes de diferentes facções.
Quem é da Baixa do Sapateiro não
anda pela Nova Holanda. O Exército vai
facilitar a circulação dos moradores.
Mas isso não basta. A minha mãe
tem 60 anos e precisa caminhar por 40 minutos
para pegar um ônibus. A gente quer transporte
público, calçadas asfaltadas e saneamento
básico”, reivindica.
Projeto
inspirado na ocupação do Alemão
A
operação definida ontem foi traçada
nos mesmos moldes da ocupação desencadeada
em 2010 no Complexo do Alemão. Naquela
ocasião, depois que a PM saiu, o Exército
ocupou a área por dois anos, até
a instalação de Unidades de Polícia
Pacificadoras (UPPs). Hoje, a PM reunirá
os chefes de quatro Comandos de Policiamento de
Áreas (CPAs), para fechar os detalhes da
ação. Uma das principais diferenças
é que na Maré não serão
expedidos mandados de busca e apreensão
coletivos. A experiência foi criticada no
Alemão.
Especialistas
ressaltam que a mudança de estratégia
do governo do Rio, que foi pediu um auxílio
e trouxe outro, não ficou clara. “Se
não revelarem informações
da iminência de uma guerra na Maré
ou a necessidade da ocupação em
momento de crise em outras áreas, pode
dar a impressão de que é um instrumento
eleitoral. A Rocinha e o Alemão estão
próximos de perder o controle. E o reforço
nestas áreas contribuiria para consolidar
o projeto”, analisou o ex-capitão
do Bope, Paulo Storani.
O
conjunto de 15 favelas é dominado por duas
facções criminosas e por milicianos,
sendo a maior parte controlada pelo Terceiro Comando
Puro (TCP), que não é a mesma quadrilha
que predomina nas áreas em que as UPPs
foram atacadas recentemente. O ministro informou
que não há prazo para as tropas
federais saírem e não descartou
a ajuda a outras comunidades. “Do ponto
de vista estratégico e tático, é
fundamental. Temos um plano de segurança
para a Copa e o Brasil está preparado”,
explicou Cardozo.
Já
para o governador, a estratégia pode estar
ligada “direta ou indiretamente” aos
ataques e a retomada da Maré beneficiará
a competição de junho. “É
próximo ao Aeroporto do Galeão e
por lá passam as linhas Vermelha e Amarela
e a Av. Brasil. A população não
quer mais criminosos circulando como se a comunidade
fosse território deles.”
Desde
a semana passada, as polícias ocupam a
Nova Holanda e o Parque União, na Maré;
os morros do Chapadão, em Costa Barros,
e Juramento, em Vicente de Carvalho.
FONTE:
JORNAL
O DIA