Sem passarela, estudantes usam divisória de concreto para chegar à escola no Centro do Rio

Estudantes do município e do estado estão correndo risco de morrer para chegar à escola no Centro do Rio. São moradores do Santo Cristo e da Cidade Nova que diariamente se equilibram na divisória de concreto de cerca de 60 centímetros de largura que separa as quatro pistas do Elevado 31 de Março, erguido para servir de ligação viária dos bairros e o principal acesso ao túnel Santa Bárbara. Sem passarelas próximas, o atalho perigoso e improvisado usado pelos alunos das escolas instaladas na região e por cerca de 15 mil pessoas que moram em locais próximos ao viaduto. Não foi sempre assim: até 1978 os moradores tinham a opção de usar duas passarelas que passavam sobre a linha férrea da Central do Brasil, postas abaixo com a construção do Metrô, inaugurado em março de 1980.

Um levantamento do Corpo de Bombeiros feito a pedido do GLOBO revela que apenas em nove meses deste ano uma pessoa morreu e outra ficou ferida depois de atropeladas no elevado. Moradores relatam, no entanto, pelo menos duas mortes em um ano.

— É um absurdo que a gente tenha que correr tanto risco. Revela como o poder público trata a mobilidade urbana da cidade. Sem usar o atalho temos duas opções: pegar um ônibus para cruzar cerca de 700 metros pagando caríssimo, ou dar uma volta enorme pela Central do Brasil, caminhando mais e correndo risco de assaltos, além de gastar mais tempo. O melhor era a Prefeitura do Rio construir uma passarela aqui — afirmou a dona de casa Lúcia, de 38 anos.

Moradora da Cidade Nova, Lúcia passa pelo local duas vezes por dia. Normalmente leva a filha, de 10 anos, numa mão, e a mochila dela na outra. Se arrisca todos os dias para cumprir uma tarefa que deveria ser prazerosa: caminhar com a menina até a escola. Não é a única: centenas de pessoas passam pelo viaduto diariamente. Nos horários de rush, de manhã e à tarde, dezenas de trabalhadores percorrem o caminho. Crianças uniformizadas, muitas vezes sozinhas, também se arriscam. Todos ignoram avisos em placas que a Prefeitura do Rio instalou alertando não ser permitido passagem de pedestre e nem de bicicleta pelo viaduto.

— É minha cota diária de acrobata — diz a Lúcia apressada.

Há 53 anos morador do Santo Cristo e usuário do viaduto, Elmo Esperança, de 58 anos, conta que antes da construção do Metrô duas passarelas ligavam o bairro à Presidente Vargas. Eram de concreto. As escavações do Metrô na Central do Brasil começaram em 1968, mas a inauguração da estação foi em março de 1980.

— Hoje está tudo do outro lado, na Cidade Nova. O Sambódromo, o Terreirão do Samba, as estações do Metrô da Central e da Cidade Nova, os ônibus a estação do trem. É o caminho natural das pessoas. Uma passarela ficava aqui na Travessa São Diogo, a outra era mais na frente, na Rua Carmo Neto. Elas foram inutilizadas com a chegada do Metrô. Agora ficamos à pé — disse Elmo.

A Secretaria estadual de Educação tem 1.979 alunos do ensino médio matriculados em três escolas da região. O colégio estadual Júlia Kubitschek (com 1.657 alunos); o Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (Caic) Tiradentes – apenas no turno da manhã, com 249 alunos; e o Colégio Estadual Reverendo Clarence – com 73 estudantes nos turnos da tarde e 167 à noite. Já a Secretaria municipal de Educação lembrou que as diretoras das unidades escolares da região orientam os alunos a não utilizarem o viaduto como passagem. Ainda assim, a secretaria ressalta que os diretores de cada unidade vão se reunir com os pais para expor a situação. Na região, 13 unidades escolares do município atendem a 5.523 alunos.​

— Atualmente há muitas recomendações de proteção ao pedestre, regras que não existiam há 40 anos, quando o Elevado 31 de Março foi construído. Hoje precisamos pensar em como preservar vidas em toda intervenção viária que fazemos. Se existe risco e possibilidade de um único óbito está errado. É necessário rever o projeto. Nenhum óbito é admissível — diz o engenheiro civil Manoel Lapa, vice-presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) e membro do Conselho Municipal de Transporte.

Em nota enviada ao GLOBO na noite da quinta-feira, a Prefeitura do Rio informou, por meio da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), que a Concessionária Porto Novo, contratada para executar obras e serviços públicos municipais na área do Porto Maravilha, instalou gradil na Rua da América, próximo ao Elevado 31 de Março, a fim de impedir a passagem neste ponto. Ainda segundo a nota, no local foram instaladas “placas que sinalizam a proibição de passagem de pedestres ou ciclistas ao longo da via”. Responsável pela operação de tráfego nos cinco milhões de metros quadrados da Região Portuária, a concessionária diz no texto que “promoveu somente este ano 13 campanhas de conscientização para travessia segura nos pontos de maior incidência de atropelamentos”. Segundo a prefeitura, “o índice de ocorrências já caiu 75% na área”.

Os bairros do Santo Cristo e da Cidade Nova, para citar apenas dois da região, estão crescendo e atraindo investimentos ano após ano. Intervenções como o Porto Maravilha e a revitalização dos morros do Pinto e Conceição, além da chegada de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) ao morro da Providência, viraram atrativos para novos moradores.

— É absolutamente uma obrigação para o Porto Maravilha pensar nessas questões. E não foi. Ninguém pensou nisso. A Prefeitura do Rio também tem sua parcela de responsabilidade. E não é só colocar placas de proibido atravessar. O entorno e o próprio viaduto são de sua responsabilidade — afirma Manoel Lapa.

O engenheiro acredita que ainda é possível pensar na construção de passarelas ligando o Santo Cristo à Presidente Vargas. Também é importante estudar uma outra intervenção: a instalação de passarelas nas bordas do viaduto.

— Não são intervenções caras e podem ser executadas. Eu sempre aconselho ao poder público procurar antes de qualquer obra os moradores do local. Precisamos ouvi-los. Nesse caso não é diferente — lembrou o vice-presidente do Crea.


Fonte: Jornal Extra

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